O que é o casamento?

Essa é a pergunta que faz a autora Susan Squire, que recentemente lançou o que parece ser um polêmico  livro chamado, I DON’T: A Contrarian History of Marriage (algo como: “Não aceito: uma contestatória história do casamento”).

© Thisisnotme/Corbis

Incertezas

A dúvida a respeito desse tipo de relação social que hoje paira sobre as principais cortes de alguns estados norte-americanos levou ao seguintes questionamentos: O casamento é um sacramento religioso ou apenas uma atribuição de direitos de propriedade? É uma forma de otimizar a criação dos filhos ou uma antiga forma de “regularizar” o término da virgindade de uma mulher? Até mesmo nas relações entre parceiros homossexuais, a parte jurídica fica em dúvida, não somente por questões ditas morais, mas também se legisla sobre a distribuição ordenada de bens imóveis e a promoção do incentivo a manutenção estável de famílias [1].

Ainda segundo a autora, a confusão é tamanha – pelo menos nos EUA –, por não se saber quais seriam os princípios coerentes, que o casamento parece um saco de gatos de conceitos religiosos no qual entram regras e costumes de suposta nobreza de atitudes cristãs, por exemplo.Certo é que o casamento está enraizado na história dos incansáveis esforços que regulamentam a procriação, criando limites para a liberdade sexual, em especial das mulheres, e só muito recentemente na história da humanidade, estabeleceu-se a celebração do companheirismo e amor romântico[2]. Mesmo aqueles que pregam a santidade do casamento também têm de reconhecer que essa instituição é muito mais uma colcha de retalhos do que um navio que singra por mares tranqüilos[3].

Marriage of Cinderella and the Prince © Stefano Bianchetti/Corbis
Casamento de Cinderela com o Príncipe

Início

Ao que parece, a questão religiosa foi bastante pesquisada pela autora que, foi ao Gênesis para mostrar que há duas versões para a criação, a saber: numa delas, a menos dramática, Deus criou o homem e a mulher simultaneamente para “crescer e multiplicar”; assim, povoando o planeta. A segunda versão, já com mais um personagem, a serpente; um motivo, a maçã e uma “moral da história” que a humanidade foi traída pela mulher. Portanto, toda essa teatralização queria dizer o seguinte: o Homem deveria ter a posição dominante e controlar a mulher, caso contrário ela, mulher, o dominaria. Daí em diante começou a confusão.

História

O livro faz um histórico da vida conjugal através dos séculos, tendo início com a descendência matrilinear dos israelitas bíblicos e a poligamia[4], como também os atenienses que, segundo uma classificação da autora, dispunham de mulheres classes ouro, prata e bronze, como nas palavras de Demóstenes (384-322 d.C.), o maior orador grego, que venceu com muito esforço a gagueira: “nós temos as prostitutas para nosso prazer e deleite, concubinas para as necessidades diárias de nossos corpos e esposas para que possamos perpetuar nossa legítima descendência”. Ao que parece, nos EUA, a coisa não mudou muito, principalmente entre postulantes ou ex-ocupantes de cargos políticos. Ainda na linha da história, a autora propõe que um dos motivos da queda do Império Romano, foi a forma pela qual esee Império lidava com as mulheres, tanto que culpam-nas por ter uma moralidade pouco casta e luxuriosa e o cristianismo viria para ser uma correção dos seus “pecados”[5].

Amante medieval sendo içado numa cesta (ilustração do Codex Manesse do século XIV. 
Amante sendo içado. Codex Manesse. Século XIV

Mudanças mas nem tanto

A autora também discorre de forma maliciosamente engraçada sobre o casamento, aproveitando as palavras de Heinrich Heine (Alemanha, 1797-1856), poeta romântico, que denominou o casamento em base cristãs como “a dieta da fome do cristianismo”. Essa mesma Igreja considerava o casamento uma detestável – para o celibato –, porém, necessária forma de afastar o homem da luxúria. O objetivo era o aumento do rebanho de forma ordenada e assim criaram maneiras para garantir esse crescimento, mas sempre mantendo a mulher num segundo plano. Até mesmo Paulo, aquele que teve uma repentina cegueira na estrada para Damasco e ouviu vozes que não sabia exatamente de onde vinham, dizia que “a mulher devem ficar caladas na Igreja”. Teólogos que o procederam, como Tertuliano (Cartago, 155-222), um fanático cristão da castidade, escreveu textos disciplinares como A Exortação da Castidade, A Pudicícia, O Vestido das Mulheres entre outros,  afirmavam que “a mulher é a porta por onde o Diabo entra” e “o matrimonio cristão torna-se um mal necessário que restringe ainda um outro mal necessário: as mulheres” [6]. Por toda Idade Média, a Igreja Católica quis controlar a vida sexual, punindo e excomungando quem, por exemplo, mantivesse relações sexuais em dias santos, ou criticando o marido que olhasse para a esposa nua. A Igreja, no transcurso dos séculos, foi tão fanática por tristeza, amor, casamento e vida praticamente assexuada, que acabou por ver surgir a Reforma.

Martin Lutero, um monge agostiniano, esqueceu seus votos de celibato e perdeu a virgindade aos 42 anos quando conheceu uma freira, Katherine von Bora, que contava 26 anos à época. Como ele achava que os males da Igreja estavam na corrupção e fornicação, criou uma nova forma de encarar isso, sendo contrário ao celibato e fazendo do casamento uma exaltação ao companheirismo, fidelidade e procriação. Essa idéia já estava no ar nos séculos finais da Idade Média, quando, entre a nobreza surgiu o amor cortês, que se situa no limite tênue do desejo sexual e da realização espiritual.

 © moodboard/Corbis

Conclusão

Segundo a resenhista do New York Times Books Review, Dahlia Lithwick, “nem sempre é fácil seguir a lógica do pensamento de Susan Squire, que sutilmente interrompe a linearidade do pensamento deixando pelo caminho a sua argumentação. Mesmo assim esse livro é encantador e um maravilhoso recurso para se entender por que a Igreja se enraizou no negócio do casamento”. E conclui “O casamento é uma das últimas manifestações do otimismo humano. E se aspiramos a perfeita santidade ou romance, a realidade se encarrega de acabar com essa ilusão. O livro nos lembra que temos sido aspirantes a decepções há séculos e isso por si só é um motivo de esperança.

Esse artigo é a livre tradução da resenha, I Now Pronounce You Totally Confused, Dahlia Lithwick, para o New York Times Books Review, do dia 5 de setembro de 2008.

Impossível não fazer comentários como notas de pé de página. 🙂

Tradutor: o escriba que mantém este blog.

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[1] Parece que a sociedade ainda não conseguiu definir bem o que é a união, supostamente estável, entre duas pessoas criadas de formas diferentes e diferentes percepções de realidade, mas que em determinado momento de suas vidas imaginaram que poderiam viver juntas e felizes para sempre (n.t.).

[2] A idéia de união por amor romântico, ou o romantismo como fator de uniões estáveis surgiu no século XIX. (n.t.)

[3] Dizem que o casamento é igual ao submarino. Até flutua, mas foi feito para afundar. (n.t.)

[4] Por exemplo, a história de Abraão, Sara e Agar. Bigamia consentida.(n.t.)

[5] Barbaridade!!! (n.t.)

[6] Agora se sabe por qual motivo alguns padres gostam de comer criancinhas. (n.t.)

3 comentários sobre “O que é o casamento?

  1. JORGE

    Realmente um livro inteligente, provocador e revelador,sobre a história do casamento, altamente recomendado para a cabeceira de ambos: os casados e não casados.

    beijossssssssssss

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