Ensinamentos de Ojuobá, o francês que foi os olhos de Xangô

Estava escutando um CD do João Bosco, uma antologia de suas músicas, e lá pelas tantas prestei atenção a uma música que dizia assim: “Costurou na boca do sapo o resto de angu. A sobra do prato que o pato deixou. Depois deu de rir feito Exu Caveira. (…) Tu tá branco Honorato que nem cal. Murcho feito o sapo, Honorato, no quintal. Do teu riso, Honorato, nem sinal. Se o sapo dança, Honorato, tu… babau!”. Uma maneira jocosa de mostrar nossa cultura; porém é mais uma demonstração da penetração das culturas africanas, sim porquê várias foram as etnias que vieram para o Brasil no período escravista. Aqui sincretizaram, influenciaram e foram influenciados numa mistura de culturas quase única em todo mundo. Lembrei de Ewé (pronuncia-se euê), que tem como subtítulo: o uso das plantas na sociedade iorubá. Trata-se de um livro de Pierre Verger, que incorporou o Fatumbi ao seu nome e que era conhecido por Ojuobá. Um seriíssimo trabalho que engloba etnografia, botânica, lingüística e religião.

A primeira parte do livro traz uma excelente explicação sobre a língua iorubá, apresentando a grafia e correta entonação das palavras, demonstrando, assim, que uma língua que transmite sua cultura através da oralidade, nem sempre é bem compreendida. E por ser uma língua tonal, faz-se necessário ‘cantar’ as palavras para que as mesmas tenham o significado correto. Há até mesmo uma pequena explicação sobre o tom musical em que uma determinada sílaba é falada e o tom da sílaba seguinte pode modular, por exemplo, em ré e na sílaba subseqüente modular para mi, marcando o acento agudo. Sem este tipo de conhecimento, o Ofó, ou a ação que a planta deve exercer, e que é também um verbo, pode não funcionar corretamente. A importância é tanta que Verger diz: “Descobrir a existência do verbo atuante no nome das plantas e nos ofó foi para mim semelhante à Eureka de Arquimedes”.

A edição é bilíngüe (iorubá-português), e novamente folheei o livro depois de alguns anos. Lá podemos encontrar vários usos para as plantas, que Verger classificou da seguinte forma: a) 219 receitas de uso medicinal (oògùn), no conceito da medicina ocidental; b) 31 receitas relativas à gravidez e ao nascimento (ìbímo); c) 33 receitas relativas à adoração das divindades iorubás (orixá); d) 91 receitas de uso benéfico (àwúere); e) 32 receitas de uso maléfico (àbìlù); f) 41receitas de proteção contra as de uso maléfico (ìdáàbòbò). Ele ressalta que não é fácil classificar todas as receitas por categoria.

Podemos encontrar receitas para virilidade (aremo), longevidade (ìpé l’áyé), receita pra tratar caxumba, trabalho para conquistar o coração de uma mulher, trabalho para que ouçam nossas opiniões, trabalho para provocar coceira em alguém; e há muito mais conhecimento de uma cultura tão rica que é parte presente da nossa cultura.

Para que servem os dicionários?

Quando ainda estava na graduação, lembro de uma colega de turma que me disse não gostar de usar dicionários enquanto estava lendo. Achei estranho dizer aquilo, pois como é que a gente pode saber tudo sobre as palavras ou assuntos específicos? É impossível mesmo. Teríamos que ler todos os livros e depois montar um bem organizado banco de dados, o que no fundo acabaria se tornando um dicionário. Um outro amigo, este com pendores literários, certa vez também falou algo parecido quando criticou um dos maiores compositores da MPB depois de ter lido numa entrevista que ele usava dicionários quando compunha suas músicas. Aqui pra nós, que o compositor continue usando, pois suas músicas são pra lá de boas e estão aí até hoje vendo a banda passar. Bem, este meu amigo com quem não tive mais contato desde os tempos de faculdade, pelo que sei, tornou-se advogado e esqueceu sua veia literária.

Adquiri o hábito de, sempre que estou lendo algum livro, não importa se é um ensaio, um romanção daqueles, crônicas etc; ter sempre por perto um dicionário da Língua Portuguesa e um lápis. Sim, claro como é que vamos ler se não podemos sublinhar o que nos chamou a atenção. Ou em termos acadêmicos, fichar o livro? Várias e várias vezes ao escrever fiz uso de vários dicionários. Não só da língua portuguesa, como os temáticos que tanto nos auxiliam em todos os momentos.

No mundo atual, onde cada vez mais se busca a especialização, ter um conjunto de dicionários é imprescindível. Fazer uso deles não é feio ou desabonador. Pelo contrário, é uma forma de mostrar que se sabe onde e como procurar as coisas para melhor se localizar.

Dicas:
Aqui você encontra um Caldas Aulete de grátis pra baixar.

Da mesma maneira que você pode enviar artigos para a Wikipedia, o LingoZ, também permite que você crie definições e faça consultas, traduções. Como diz no cabeçalho do site, o LingoZ está “construindo o maior dicionário do mundo”. Ao escrever este artigo havia 4.493.238 definições.

O Wikicionário é uma cria direta da Wikipedia. Você pode consultar diversas línguas.

Também há o Dicionário Informal da Língua Portuguesa, que também permite inclusões. Você econtrará gírias e significados diferentes para várias palavras. Como, por exemplo, o verbete “gostosa”, que pelo que sei só existe no Brasil e só agora os outros componentes do PALOP (Países de Língua Oficial Portuguesa) vêm adotando, muito pela influência da produção de novelas brasileiras exportadas para estes países.

Vejamos que interessante:

gostosa Mulher com um corpo delicioso. Muito agradável de se ver!
Classificação morfossintática:
– [gostosa] substantivo fem singular .
– [gostosa] adjetivo fem singular .
Sinônimos: bonita boazuda deusa gentileza garbo elegancia alegria vivacidade ânimo .
Antônimos: feia gorda bruto deselegante triste desanimado .
Palavras relacionadas: tesão linda maravilhosa boa cavala rabo tesuda futilidade academia frescura prazer galhardia bom-gosto satisfação .

 

Palavras… algumas

Minha pátria é minha língua.

Há palavras da língua portuguesa que para serem ditas, antes é preciso analisar o sentido da frase e o contexto em que está inserida. Tudo isto deve ser feito em frações de segundos para que não pensem ou entendam de forma equivocada aquilo que você pretendia dizer.

Não é aconselhável sair por aí dizendo “Eu dei…”, sem que se diga que viu um mendigo pedindo esmolas. Rapidamente você deve completar a frase com um sonoro DEZ REAIS! Outra coisa embaraçosa; lógico que dependendo do clima, pois no inverno poderá soar diferente, é a frase “Eu chupei…”. Se você não emendar logo que foi um Chicabon, certamente o pessoal vai achar que…

E, ao se lembrar da infância querida que os anos não trazem mais, diga que antes de “trepar” você tinha uma goiabeira no quintal e vivia trepando na árvore para se fartar com a deliciosa fruta.

Tudo isto porque eu li no Jornal da Ciência o artigo no qual os pesquisadores afirmam que, quanto mais falamos determinada palavra, menos ela corre o risco de perder o som original. Isto é, não têm o som alterado. O grande balaio de gatos que é o tronco lingüístico indo-europeu, que originou a maioria das línguas ocidentais e também o sânscrito tem algumas palavras que pouco perderam o som e o significado original como a palavra que define o algarismo “dois” e o pronome pessoal “eu”. Foram estudadas 87 línguas, entre elas o Português, que como todos sabemos é a última flor do Lácio, filhote do Latim assim como o Espanhol, Francês, Italiano, Romeno entre outras. Até mesmo aquele dialeto anglo-saxão foi elevado à categoria de língua culta após a adição de 50% de palavras da língua dos romanos em seu vocabulário.

Quanto à nossa língua portuguesa, ela é tão interessante que podemos nos confundir várias vezes com o som idêntico para grafias diferentes como, por exemplo a lista abaixo:

Cesta = utensílio de vime, etc.
Sexta = ordinal referente a seis.

Cheque = papel com ordem de pagamento
Xeque = lance no jogo de xadrez, ex-soberano da ex-Pérsia (atual Irã), perigo

Cocho = vasilha, recipiente onde se colocam alimentos ou água, para animais
Coxo = que manca de uma perna

Concerto = harmonia, acordo, espetáculo
Conserto = ato de consertar, remendar

Coser = costurar
Cozer = cozinhar

Empoçar = formar poça
Empossar = dar posse a

Intercessão = ato de interceder
Interseção = ponto onde duas linhas se cruzam

Ruço = pardacento, cimento; alourado
Russo = relativo a Rússia

Tacha = pequeno prego, tacho grande
Taxa = imposto, juros.

Tachar = censurar
Taxar = regular, determinar a taxa

Abaixo estão a letra e o vídeo de “Língua”, de Caetano Veloso e o poema “Língua Portuguesa”, de Olavo Bilac.

Língua
Caetano Veloso

Gosto de sentir a minha língua roçar
A língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosódias
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior
E deixa os portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala mangueira!
Fala!
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?
Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas
Vamos na velô da dicção choo choo de
Carmen Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas da
TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em Ã
De coisas como Rã e Imã
Nomes de nomes
Como Scarlet Moon Chevalier
Glauco Matoso e Arrigo Barnabé e maria da
Fé e Arrigo barnabé
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?
Incrível
É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Se você tem uma idéia incrível
É melhor fazer um canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Recôncavo, e o Recôncavo, e o
Recôncavo
Meu medo!
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria: tenho mátria
E quero frátria
Poesia concreta e prosa caótica
Ótica futura
Samba -rap, chic-left com banana
Será que ela está no Pão de Açúcar?
Tá craude brô você e tu lhe amo
Qué queu te faço, nego?
Bote ligeiro
Nós canto-falamos como que inveja negros
Que sofrem horrores no gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixe que digam, que pensem e que falem

Língua Portuguesa
Olavo Bilac

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!